Tropeços de um Início, rendendo Jorge Altobello

Fluía entre as brechas e escorria para fora do prédio, minha Besta tinha se encolhido perante a um ser mais bestial, e instintivamente eu sabia disso. Já estava quase saindo do prédio quando notei que não era perseguido, o desespero diminuía, mas a sensação de insegurança era constante. Portante eu tornava a consciência e analisava a situação com mais clareza.

Voltava para o local, deslizando rapidamente através de onde tinha espaço. Não queria ficar ali sem ter mais esclarecimentos dos fatos.

Então me fiz corpo novamente e ativava os sensores sobrenaturais para captar a conversa mesmo antes de eu entrar no recinto. Chegava e observava a encenação de Jorge.

A possessão é um fenômeno interessante. No corpo de um homem encorpado e de traços grossos, a alma de uma mulher delicada. A fala é engrossada pelas cordas vocais, mas ainda possui um tom doce. O olhar é manso, perdido, muito diferente da expressão que o portador original do corpo costumava ter em vida. "Ela" olha nos olhos do falso Kurt Marshall, e passa a mão de palma grossa em seu rosto carinhosamente.

- Meu amor... - Há tristeza em sua voz.

- Antoinette levou... - As memórias vem lentamente, como se o pouco tempo que passou tivesse sido uma eternidade para ela. - Sim, ela está com ele! Você tem que buscá-lo, Kurt. Ele é a única coisa que restou de nós! - E agora ela o segura pelos ombros, em desespero.

- Os Tecnocratas... Eles tem tecnologia do futuro. Eles sabem de tudo, controlam tudo e impedem que as pessoas tenham acesso à informações. Acham que estão protegendo a humanidade assim. Eles mantiveram eu e meus irmãos vivos até hoje porque...

Fley parece incomodado. Altobello também sente, a presença Garou que nunca saiu desta sala começa a se agitar.

- Apresse-se! - O Ancião grita em meio à turbulências e barulhos que só ele e Altobello conseguem escutar.

Fley corre para pegar alguma coisa na gaveta, enquanto Thérèse se esforça um pouco mais, parece estar habituando-se lentamente ao novo corpo. Suas têmporas suam. O Precursor aparece segurando alguma espécie de dedo cadavérico, bem maior que um dedo comum. Com uma mão segurando o artefato e os próprios dedos mortos da outra mão, ele parece estar esmagando os próprios fios que tecem a extra-realidade. A personalidade de Thérèse parece oscilar no corpo defunto, mas ela não desiste.

Urros furiosos preenchem a sala, ecoam das paredes, do próprio ar que os envolve. Os móveis tremem, chacoalham. Livros vão ao chão, a porta treme violentamente como se um tornado estivesse lá fora.

- Eleniel! - Ela fala, repentinamente. - Eleniel T. Anderson. Era ele que cuidava da gente. - Seus olhos piscam forte, como quem está à beira do colapso. - Procure esse homem, Kurt. Ele é o seu único elo! - E apaga, deixando o cadáver novamente vazio.

A sala de repente parece mais calma. Todos, até mesmo sem poderes mediúnicos, podem sentir que o ambiente está mais vazio. Há uma sensação de segurança, agora que o véu que os separa do mundo sobrenatural foi engrossado. O Arcebispo Springfield dá alguns passos à frente e dá um tapinha amigável no ombro de Altobello, que ainda não se levantou. Ele parece muito satisfeito.