Domínio de Sangue III

Coincidência ou não, Queen era um sobrenome que se encaixava perfeitamente na Anciã Assamita. Talvez ela própria reconhecesse esse fato e vivesse à altura de suas próprias qualidades. Porém, havia territórios ainda não explorados pela rainha e ela estava prestes a pisar em um deles. O poder, apesar de ser natural à vampira, ainda não havia sido experienciado na forma de um cargo político na seita secular, ou pelo menos não um de tanta importância. Claro, uma posição de liderança sempre será uma posição de liderança não importa onde seja, entretanto seria tolice imaginar que o mundo imortal não guardava surpresas e peculiaridades cujas habilidades humanas não seriam capazes de acompanhar. Yassemine sabia disso. Sabia que a resolução dos problemas dentro da Camarilla não seria tão simples e sabia também que em meio a todo o caos haviam aqueles que desejavam seu fracasso. Porém ela estava disposta a frustrar essas expectativas.

A limousine sai do estacionamento e se aventura pela noite agitada de Las Vegas. Pessoas e carros ocupam a maior parte da paisagem, enquanto que o demais é preenchido por letreiros luminosos e arranha-céus, cada um tentando chamar a atenção para si. Yassemine, visualizando o panorama pela janela, volta seus pensamentos para a corte e percebe algo a seu favor, uma qualidade que muitos do topo não tem: noção própria. Sua vida e não-vida a levou das savanas africanas, até tribos indígenas sul-americanas e salões de festa da alta sociedade. A perspectiva que ela foi capaz de tirar dessa experiência era a de que era necessário se adaptar a cada situação. Suas falhas certamente a deixavam para trás, e era inútil fingir que elas não existiam, porém superá-las e usar os pontos positivos a seu proveito era algo que, certamente, a Magus sabia fazer. Um plano, então, começa a se formar na sua cabeça, algo que já havia criado raízes antes e agora tomava uma forma mais concreta, como galhos de possibilidades e soluções. O Príncipe Benedic tinha parte fundamental nisso, já que sua autorização poderia permitir ou não certos cursos de ação, por isso Yassemine tinha que confiar no seu jogo político para conseguir o que queria, ou, quem sabe, ceder uma coisa em troca de outra.

Aos poucos, a mente ávida da Filha de Haqim começa a retornar estranhamente para a figura daquela lâmina brilhante quando uma mensagem a alerta em seu celular e tira-a do semi transe. Parece que Montrose estaria à sua espera no Mirage, uma inesperada e agradável companhia. O Senescal e antigo Xerife tinha a fama de ser um dos (se não o) Membros mais inteirados da cidade, além de ter uma posição de poder e inveja. Parecia que a noite poderia começar muito bem com os movimentos das peças certas. Pouco a pouco o tabuleiro se formava.

A janela da lomousine já começa a revelar o esplendor dos mais de trinta andares do Hotel e Cassino escolhido como sede do Elísio. O motorista utiliza o comunicador, como de costume, para perguntar como prosseguir daqui para frente.

O horário do nascer do sol seria às 05:15 para o dia atual, no entanto a festa provavelmente não duraria tanto. Bem, pelo menos não se o Burning Angel fosse como a maioria das boates americanas, que não costumavam raiar o dia em curtição. De qualquer forma, as coisas pareciam se encaixar nos planos de Dezmond, que com sua imagem alternativa passeava pela pista de dança, enquanto bebericava uma espécie de martíni estranho que pegou no bar. A bebida, claro, tinha um gosto horrível, nada comparado ao vitae doce que alimentava o Caitiff noite após noite. Por um momento, ele é puxado para essa atração, o sangue pulsante dos corpos balançando ritmicamente. Sabia que a Besta dentro de si nunca estava saciada por completo e, mesmo "domada", ela ainda tinha certo controle do corpo em que habita. O impulso é momentâneo entretanto, e logo a mente toma as rédeas da situação e volta a atenção para o que realmente importava. Talvez esse deslize tenha sido causado pelo descuido, como se a nostalgia pelos costumes do antigo Dezmond e o desprendimento em meio àquela festa tivesse baixado sua guarda.

De volta a si, o Desgarrado percebe que ainda tinha um objetivo não tão ordinário ali e começa a vistoriar novamente o ambiente. Dessa vez, os suportes e locais mais altos eram o alvo, onde possivelmente podiam existir câmeras, mas, para sua surpresa, nenhuma delas é achada. Era estranho um estabelecimento desse porte não ter nenhuma câmera sequer. O pensamento paira por alguns minutos, até que Dezmond decide seguir com a infiltração. Ele se dirige até o banheiro, que é pequeno e possui apenas três cabines, e vai até uma delas. Não parecia que as pessoas gostavam de usar o local, visto que a higiene era mínima e apenas um ocasional rapaz aparece e entra em um dos boxes cambaleando um pouco. O Caitiff, então, utiliza também uma cabine para liberar seu estômago daquela substância inútil e para mascarar sua nova mudança. A utilização da Máscara das Mil Faces, como alguns poucos Membros denominavam esse tipo de utilização da Disciplina do Desaparecimento, não era uma tarefa simples. Tomar uma forma genérica, como ele estava fazendo até então não requeria tanta habilidade, mas copiar alguém totalmente autêntico podia ser algo desafiador. Dezmond faz o melhor que pode, usando a imagem que sua mente projetava, e depois volta para o ambiente comum como o Leão de Chácara.

A efetividade do seu plano dependeria de habilidade e sorte, mas parece que esta última não estava a seu favor esta noite. Dezmond fazia seu caminho normalmente, andando como alguém que realmente pertencia àquele local. Do banheiro, ele passa pelo bar e faz seu caminho pela pista de dança até começar a se distanciar em direção a uma das portas para funcionários. No entanto, antes de chegar ao seu destino, mais dois seguranças saem pela porta apressadamente vem em sua direção, percebendo o seu suposto colega de trabalho. Um deles faz um sinal com a mão, como se estivesse chamando para o acompanhar, enquanto o outro para pra falar, ainda que impaciente.

- O que você está fazendo aqui? Vamos! Tem uma confusão lá fora!

Parecia que os perseguidores tinham perdido o rastro do táxi, ou talvez desistiram da perseguição por algum motivo. Neste momento, as dúvidas eram muitas sobre o que estava acontecendo. Quem eram essas pessoas e o que elas queriam? Caçadores que descobriram algo da vampira? Federais em alguma investigação sigilosa? Capangas tentando algum tipo de sequestro? As possibilidades eram inúmeras, ao ponto que não havia sentido em elencá-las. Mas uma coisa era fato, a presença de Abigail em Las Vegas já havia sido notada, fosse isso uma vantagem ou não. A Cainita tinha vindo até aqui em busca de notoriedade, mas esse tipo de atenção não era algo desejável, uma vez que, apesar dela saber se virar em situações de perigo, havia pessoas próximas que eram vulneráveis.

O trânsito segue lento até o momento que Abigail usa seu controle do sistema de tráfego para liberar o caminho. Isso lhes dá um desafogo até o momento que as defesas do sistema entram em ação e se torna perigoso continuar com a invasão. Apesar da atenção que a Tremere mantinha agora, o veículo de antes não aparece à vista. Isso a tranquilizava um pouco, junto à Magnolia, que continuava maravilhada com o esplendor visual. Os cassinos, claro, eram as atrações principais, cada um chamando atenção de uma forma única, seja por puro glamour ou pelo tema de sua ornamentação. O motorista aproveita a situação para dar uma informação.

- Essa é a Las Vegas Strip, o principal lugar de Vegas. Bellagio, Excalibur, Mirage... todos os hotéis e cassinos mais famosos estão aqui.

Após apresentar a longa avenida, ou pelo menos o princípio dela, o motorista pega uma das saídas laterais, indo em direção ao endereço indicado. O apartamento de Abigail fica em um hotel singelo, se comparado com os destaques da Las Vegas Strip, mas ainda assim um prédio de requinte. Um dos funcionários logo se prontifica para levar as malas, enquanto o motorista recebe o pagamento e agradece com um sorriso no rosto. Depois de fazer o checkin, a Tremere e sua filha se dirigem ao luxuoso apartamento de andar. Equipado com salas de estar e de jantar, cozinha, sala de vídeo, suítes e varanda, o ambiente é tudo menos modesto. Claro que Abigail não aceitaria menos para sua estadia e verifica se tudo está de acordo com suas condições. Depois de algum tempo, o sono imortal lhe acomete, e ela se reclusa em seu quarto para apenas despertar na noite seguinte.

O despertar vem como um companheiro de décadas, lembrando a Abigail do que ela era. O sono imortal sempre era um vazio e acordar era como voltar à realidade. A suíte em que ela estava era vasta e confortável, fazendo-a se sentir bem, apesar dos transtornos da noite passada. A Feiticeira, claro, estava preocupada a respeito disso. Seus olhos não foram capazes de captar muita coisa de seus perseguidores e sua memória apenas era capaz de lembrar o modelo Honda do veículo, fora isso ela estava no escuro. O celular, sobre uma cômoda ao lado da cama de casal, mostra '18:03' na sua tela, a noite estava apenas começando.

Abigail anda pela casa, ainda se familiarizando com o novo ambiente e confirmando que havia sido uma boa aquisição. Sua procura termina quando encontra Magnólia deitada em uma poltrona reclinável na sala de vídeo, o telão ainda transmitindo um filme de comédia romântica com atores que a Tremere não faz ideia de quem são. A garota, porém, não está assistindo nada, e sim cochilando tranquilamente no ambiente climatizado. A visão demonstra certa inocência e Abigail sente que poderia contemplar a cena por horas, no entanto uma mensagem no seu celular a tira do momento. Aparentemente, a profissional de administração contratada por ela já está em Vegas e pronta para o serviço.

PS: 13/14
FV: 08/08
OBS: Mascará de mil faces ativa.

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Em meio ao mar de humanos, por um momento de distração Dezmond sentiu-se esquisito. O estomago pareceu embrulhar como se quisesse o lembrar de algo, mas ele contentou-se em pensar que era apenas o Martini descendo de mal jeito. Terminou a bebida e colou-se a caminho do banheiro para aliviar o estomago e trocar de rosto. Pode então voltar até as pistas que não eram – para sua sorte – monitoradas por segurança eletrônica.

Infelizmente a boa fortuna não lhe durou muito, logo que se aproximou das portas, ainda inseguro se o disfarce seria convincente o bastante para enganar a equipe, foi abordado por uma dupla apressada que saia da porta que planejava entrar. Perguntas eram feitas e a resposta podia lhe denunciar de imediato. “Pelo menos a aparência tá funcionando.”

- Passei no banheiro, deixei um cara lá na frente no meu lugar, vamos! – Justificou-se rapidamente, esperando que a musica e poluição sonora fosse o bastante para mascarar o tom de voz que não tivera tempo de ensaiar.

Não perderia tempo com conversa uma vez que tinha as ordens quanto ao que fazer, ameaçaria virar e seguir caminho junto a dupla, atrasando-se propositalmente para que eles fossem mais a frente e esperando a primeira oportunidade que não estivessem olhando para dar mais uma meia volta e seguir em direção a porta que antes pretendia atravessar. “Quando eles chegarem lá na frente vão encontrar comigo já resolvendo o problema... Se não conversarem demais sobre o assunto talvez não notem nada estranho.” Mas era apenas uma hipótese, algo que não tinha esperança de apostar todas as fichas como se fosse uma verdade. Por isso fez questão de dar uma boa analisada no rosto do interlocutor de pouco atrás, poderia ser o próximo rosto a ser tomado.

Seguindo o caminho, continuaria a agir de forma discreta e evitando chamar atenção. Seguindo pelos cantos das paredes e sendo cuidadoso com os ruídos que produzia. (Ofuscação 2) Vasculharia os cômodos a procura de identificar a planta do prédio, ouvir possíveis conversas, ou com sorte já encontrar a moça que procurava. Durante o percurso, aguçando seus sentidos e se atentando a presença de outros indivíduos pelos corredores. (Auspícios 1)