Vampiros - A Máscara
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Nasce uma serpente

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Mensagem por Fuuma Monou Qua Jan 15, 2020 1:10 am

Em construção...

O trincar do espelho

Hoje faz exatamente 200 anos que cheguei a este mundo, 170 no mundo das trevas. Está me batendo uma nostalgia. E junto, uma vontade de contar o caminho que percorri até aqui. Então sente-se ao meu lado e escute um pouco de minha história. Não será longa e enfadonha, você bem sabe que não gosto de falar sobre mim, mas quando resolvo contar uma história o sangue dos Bardos do passado flui pelas minhas veias e a plateia sempre pede por mais. Contudo, preciso deixar bem claro antes de começarmos. Não serei um dos ricos esnobes da Anne Rice, não sou filho de um lorde que herdou um castelo nas montanhas da França, ou um senador romano diplomata e filho da Gália. Pelo menos não em tudo. O que tenho hoje foi conquistado com muito suor e sangue, tanto meu como dos outros, é claro.

Posso dizer que nasci em uma elite, a melhor de todas, a elite intelectual. Meu pai foi um importante pesquisador no Reino Unido, antes que a Irlanda conseguisse sua liberdade da opressora Inglaterra, e minha mãe sua aluna e assistente. Sei que antes dele, meu avô também seguiu essa mesma carreira, e que alguns antepassados também o fizeram. Em meu tempo como humano, ouvia meus tios e tias falarem que essa é uma tradição que remonta séculos e séculos no passado de nossa família. Nasci em 1819, na província de Leinster, nas proximidades do que hoje é a vila de Kilmessan, onde foi encontrado um importante complexo arqueológico que provavelmente foi construído em um momento histórico anterior à chegada dos Celtas nas Ilhas Britânicas, mais de quatro mil anos no passado, a colina de Tara. Apesar de só ouvir-se falar no levante das nações sob o julgo da bandeira inglesa em busca de uma memória própria anos depois, naquele período já era algo comum ver acadêmicos tentando remontar a história de seu povo a partir de achados arqueológicos e da leitura e releitura dos textos registrados pelos monges católicos e de autores clássicos, como o próprio Júlio César.

Meus primeiros anos aconteceram nesse lugar, principalmente o redor de um túmulo construído em uma colina natural próxima do rio Boyne, um santuário para os mortos. São poucas as lembranças reais da época, mas recordo perfeitamente dos homens trabalhando de dia e discutindo as hipóteses levantadas a partir dos dados encontrados durante horas e horas à noite, até que o cansaço tomava conta de todos. Muitos acabavam dormindo pelo sofá da casa de meus pais e retornavam ao trabalho no outro dia, para completar mais um ciclo, sem nunca cansar ou desistir. E isso se seguiu por muitos anos. Ou o que na época eu considerei como muitos anos.

Apresentado esse prelúdio, posso continuar de forma mais sucinta. Mas veja que muito de minha personalidade, e do que viria a ser o meu futuro, está montada em cima do que apresentei até aqui.

Os anos se passaram e eu entrei para a universidade. Galguei os mais altos níveis do mundo científico e acadêmico e, após muita luta, consegui chegar onde queria, mais próximo de meus pais e de seu mundo mágico. Nesse meio tempo, me dediquei a química e linguística, assim como a física e mecânica, mas meu foco sempre foi a arqueologia. Não obstante, meu pai sempre disse que para a mente funcionar bem, o corpo tem que estar saudável. Dessa forma, entrei nos clubes de atletismo, luta e natação. O que aprendi nessas diferentes áreas só me auxiliou a aprofundar cada vez mais em meu trabalho sobre obtenção e restauração de itens com relevância arqueológica. Desenvolvi misturas que conseguiam auxiliar na preservação do material coletado, lentes de maior poder, bem como aprendi a ler textos antigos escritos em latim, grego e no que hoje é conhecido como celta-p e celta-q, com maior enfase no último.

Vinte cinco anos se passaram de meu nascimento e no dia do meu aniversário retorno ao meu lar. Já sabia que alguns dos homens que trabalhavam com meus pais, junto com os próprios, resolveram construir um pequeno conjunto de fazendas no lugar onde ficava nosso acampamento, mas ver no que havia se transformado o lugar foi impactante. O pequeno povoado transformou-se em uma vila, com comércio próprio e tudo mais que nos faltava naqueles primeiros anos, mas que agora estava sendo ofertado no próprio local.

No ano posterior, com meus pais já com certa idade, eu acabei fazendo parte do grupo que liderava das escavações. Tendo por base o que eu havia desenvolvido na universidade, consegui aprimorar o método utilizado no trabalho. Mesmo com essa mudança as noites não foram alteradas, sempre regadas por discussões acaloradas sob hipóteses cada vez mais fundamentadas. Enquanto isso, a vila ia crescendo, as fazendas começaram a dar lucro, e mais pessoas iam aparecendo com os mais diversos tipos de comércio. Contudo, em 1845 veio o que mudou tudo para mim e para a Irlanda como um todo... A Grande Fome.

E é nesse momento que surge aquele estranho, muito bem trajado com casaco, cartola e sapatos muito caros. Aquele homem foi minha perdição e salvação ao mesmo tempo. Com a grande fome, muitos recursos haviam sido desviados da universidade com a desculpa de suprir a falta de alimento para a população, mas nós sabemos quea tal "população" era formada pelos nobres e membros de alta patente das forças armadas, que faziam festas e davam os restos para o povo que morria de fome. Assim, perdemos nossa fonte primária de recursos, enquanto outra fonte surgiu. Nossas fazendas continuaram produzindo aquilo que precisávamos para sobreviver e conseguíamos vender à população aquilo que sobrava, o que atraiu pessoas de outras vilas para trabalhar conosco, e consequentemente, mais bocas para alimentar. Ao ponto de não conseguirmos mais vender quase nada, pois havia seca e o solo tornou-se infértil... ou melhor, uma praga se espalhou por todo o país.

Ankh veio em suas roupas caras e óculos escuros, disse ser um investidor que queria financiar nossa pesquisa "pelo bem maior". Certamente ficamos desconfiados, mas agora eram dezenas de famílias vivendo nos arredores, sobrevivendo pelo que conseguíamos obter de recursos, além da fome intensa pelo conhecimento que possuíamos... e seu único pedido foi avaliar o que encontrávamos e participar de nossas discussões. Aceitamos! E foi ai que minha alma começou a ser dilacerada...

Ele falava como se estivesse conosco a muito tempo. Seu conhecimento em arqueologia era impressionantes, como se a séculos ele fizesse parte de tais empreendimentos. Mas era quando estávamos a sós que sua lábia mais se fazia presente, tentando me convencer que determinada peça encontrada não tinha tanto valor, ou que algo que meus pais haviam encontrado nos primeiros anos queria dizer o mesmo que achados mais recentes. Ele foi me envenenando com sua fala, como a serpente do paraíso, e como Eva eu fraquejei. Ankh passou meses me atormentando sobre vender algumas peças mais antigas e sem valor frente às nossas novas descobertas. Ele dizia que mais recursos poderiam entrar na nossa pesquisa se vendêssemos alguns itens para colecionadores, que a população não se importava com o que estávamos fazendo, mas que essas pessoas dariam o devido valor ao nosso trabalho, até chegar ao ponto de ameaçar cortar nossos fundos. E o pior, na época eu achava que não podia confiar essa história para mais ninguém, pois corríamos o risco de perder nosso fundo de pesquisa e fonte de recursos para alimentar todas as famílias que ali moravam. Assim, aguentei calado enquanto deu... até o dia em que perdi o primeiro pedaço de minha alma.

Havia uma peça, um entalhe em rocha.. um entrelaçado belíssimo, com alto grau de requinte. As linhas... hoje mesmo não consigo explicar como teriam sido feitas. Foi uma das primeiras coisas encontradas no lugar... Durante a noite, entrei no galpão onde guardávamos as peças, roubei o item e o entreguei para Ankh. Ele sorria e pude ver, mesmo através daquelas lentes escuras, um brilho sobrenatural em seu olhar. Ao fazer aquilo, senti-me como transpassado por uma lança. Mas a essa peça se foi outra, e outra... até que minha alma estava tão anestesiada que eu nem mais sentia o que estava fazendo...
Fuuma Monou
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